terça-feira, janeiro 03, 2012

Um rio de noticias


UM RIO DE NOTICIAS…


Quando na noite de domingo, uma avassaladora e arreliante SMS entrou pelo meu celular adentro, interrompendo a minha atenção a eleição do novo “board”, equipa líder do fórum de jornalistas investigativos, fiquei perdido. Estas volta e meia, funestas mensagens, deviam conter “aviso prévio”, se fosse possível, antes de nos estragarem a vida.

A minha teimosia me atirava para a raiva. “Não, não pode ser…” Comentei, meio balbuciando, com minha companheira destas andanças, a Suzana Mendes.  Ela pareceu mais incrédula do que eu. As lágrimas insistiam que tinham que escorrer. Era o único consolo, mutuo, numa sala com mais 55 colegas e professores catedráticos  de toda a África. Até um do Sul do Sudão apareceu, sem convite inicial!

Com um esforço suplementar, pensei com os meus botões em homenagear o meu velho amigo “RIACHO”, com aquilo que o jornalismo nos ensinou: a observação, a narrativa, em fim a crónica. Um adeus! Afinal era o jornalismo um dos muitos pontos em comum entre eu e ele. A nossa forma de vida. A forma romântica, por vezes, como olhávamos para os factos, idealizávamos coberturas, distribuíamos as tarefas aos reportes ou “calcorreávamos” Luanda para dar uma tal “ rádio a cores” que defino o mosaico comunicacional na Rádio Ecclesia.

O  Rio, qual “confidente das horas vagas”,  deve ter ouvido, sabe lá Deus quantas vezes, alguns modelos e projectos que tenho idealizados.

Voltemos, porem, ao passado. Quando em 1995, franzino e imberbe, franqueei a porta principal da Rádio Huila, com uma cabeça cheia de sonhos e ilusões sobre a profissão, a minha curiosidade e dos meus colegas estagiários era conhecer os “gurus” da maior estacão do sul de Angola, ainda não sei se por rádio de acção ou a colossal demissão das suas estruturas. Também nunca perguntei.

O Rio Alves era um deles. Uma verdadeira estrela da companhia. Com ele nomes como o editor Rebelo Veiga, o meu mestre Joaquim Armando, o velho Álvaro Dias, a tia Aurora, a tia Rosa, hoje directora provincial da comunicação social, o director Celso e outros que deram o litro, mas que não cabem neste humilde e singelo retrato.

Mas voltamos, pois, ao Rio Alves, nome que retirou do seu falecido pai e adoptou como nome profissional. A sua verdadeira graça é José Manuel Domingos. Era Rio para aqui, Rio para ali. Parecia um verdadeiro “omnipresente” . Era o “ Expresso da tarde” ou o Noticiário provincial das 18H30. Era a publicidade ou comunicados. As vezes um espaço que ficou celebre para mim o “ Huila a noite”, quase como o “Café da Noite” do Sebastião coelho. Ficava com o Rádio do meu “velho”, para ouvir o Rio, a Aurora, depois o Carlos Queirós entre outros, apenas interrompendo para seguir “ Londres ultima hora” da BBC.

Lá estava o homem. Integrei uma equipa que sob supervisão superior realizava o “ Nova demissão”, um espaço jovem para o final do dia e integrado no programa do Rio Alves. Assim dava vontade de estar na cabine para “privar”, mesmo a escassos momentos com a estrela. Com aquele espaço, antes gravado e depois directo, tive as primeiras lições: O rigor pela hora e objectivos definidos nas nossas produções. Vitoria!

Mas a nossa estrela sai, para o nosso pranto, da Rádio. Não sei se instigado, convidado ou apenas olhando para “outros voos” como me disse num desses almoços as pressas algures no São Paulo, em Luanda, anos depois.  

Para tristeza do Zito machel, da Nadia Camate, do João Carlos e minha, soubemos que o “ homem da voz cândida”, a moda dos anos oitenta, seguia para o empresariado, numa firma que dava cartas na cidade que fica a sombra da Serra da Chela.

Depois eu me mudo com “armas e bagagens” para a Rádio 2000 e era nos vermos, fugazmente á hora do almoço. O Rio parecia feliz com o que fazia. Tenho a certeza que o “bicho” da rádio lá continua a apertar.

Depois venho para Luanda e anos depois, recebo do João Pinto a proposta de darmos uma mãozinha ao também seu mentor, na mesma cada, a Rádio Huila. Aqui faço esta inconfidência. Se alguém pusesse o João e o Rio no mesmo programa, a primeira impressão do ouvinte seria de que era a mesma pessoa. A adaptação foi fácil, tirando a tecnologia. Rapidamente subiu na cotação interna. Voz sóbria, quase pau para toda obra. De fácil trato. Fino, quase um gentleman, vaidoso e aprumado, trajado a rigor. Bom, afinal a nossa estrela continuava.

Não se coibia em ser um dos que mais cedo chegava ao nosso sempre desafiador turno da manha, com horários sempre imprevisíveis. Hora choveu e já está engarrafado. Hora a criança está doente. Em fim em fim. Posso arriscar que nunca o vi a lançar palavras duras a alguém, mesmo se a situação assim o exigisse. Acho que partiu sem inimigos, reais ou imaginários. Depois das críticas que volta e meia recebíamos, lá estava o homem com ânimo de sempre. Era a verdadeira acepção de que “com um sorriso nos lábios custa, sempre, menos”, parafraseando o pivot da LAC. Fazia desde a reportagem á edição. As mudanças de turno, a pressão,  positiva,  da editora da altura e  eterna colega e amiga Josefina Komba.

Adicionava a leitura e a inevitável publicidade, nos momentos de aperto “ kuanzal”

 Nestes anos de trabalho, talvez para quebrar a rotina vou sempre dando nomes ao pessoal, especialmente os do meu turno. Assim temos o Sasse, a Sassinha, o “Fernandinho Beira mar”, entre outros “nomes” absolutamente jocosos. Mas foi Riacho que bem colou ao nosso rio. Já foi chamado de “UM RIO DE NOTICIAS”, mas certamente sorria quando ecoava pela redacção a frase “ Riacho vem a síntese! ” Entre um “Rio de noticias” e o “Riacho”, sempre  menos caudaloso, intermitente, varias vezes  serpenteante e a procura de um rio maior, conseguiste aos 46 anos, cerca de 30 dedicados a rádio, ser tu próprio.

A morte foi mais uma vez inesperada, rude, ridícula. Ela vem como um salteador sem hora definida. A morte, ainda dias falava dela na revista vida obriga-me a revelar que arrancou-me mais um amigo desinteressado. Deixo-nos, nos os amigos do amigo que parte,  cada vez mais soltos nesta “ selva urbana” em que se transformaram as nossas sociedades, as nossas vidas…

Este é o adeus que nunca te queria dar...

Manuel Vieira

Braadfontein, Joanesburgo

África do sul




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